terça-feira, 17 de abril de 2012

PALMAS NA MISSA: PORQUE NÃO BATER?



Dom Roberto Francisco, Bispo Auxiliar de Niterói, em seu último artigo publicado no site de nossa Arquidiocese, explica o porquê D. Alano e ele proibiram as palmas dentro das Celebrações Eucarísticas da Arquidiocese:

Porque não se adequa a teologia da Missa que conforme a Carta Apostólica Domenica Caena de João Paulo II do 24/02/1980, exige respeito a sacralidade e sacrificialidade do mistério eucarístico: “0 mistério eucarístico disjunto da própria natureza sacrifical e sacramental deixa simplesmente de ser tal”. Superando as visões secularistas que reduzem a eucaristia a uma ceia fraterna ou uma festa profana. Nossa Senhora e São João ao pé da cruz no Calvário, certamente não estavam batendo palmas. Porque bater palmas é um gesto que dispersa e distrai das finalidades da missa gerando um clima emocional que faz passar a assembléia de povo sacerdotal orante a massa de torcedores, inviabilizando o recolhimento interior. Porque o gesto de bater palmas olvida duas importantes observações do então Cardeal Joseph Ratzinger sobre os desvios da liturgia : “A liturgia não é um show, um espetáculo que necessite de diretores geniais e de atores de talento. A liturgia não vive de surpresas simpáticas, de invenções cativantes, mas de repetições solenes. Não deve exprimir a atualidade e o seu efêmero, mas o mistério do Sagrado. Muitos pensaram e disseram que a liturgia deve ser feita por toda comunidade para ser realmente sua. É um modo de ver que levou a avaliar o seu sucesso em termos de eficácia espetacular, de entretenimento. Desse modo, porém , terminou por dispersar o propium litúrgico que não deriva daquilo que nós fazemos, mas, do fato que acontece. Algo que nós todos juntos não podemos, de modo algum, fazer. Na liturgia age uma força, um poder que nem mesmo a Igreja inteira pode atribuir-se : o que nela se manifesta e o absolutamente Outro que, através da comunidade chega até nós. Isto é, surgiu a impressão de que só haveria uma participação ativa onde houvesse uma atividade externa verificável : discursos, palavras, cantos, homilias, leituras, apertos de mão… Mas ficou no esquecimento que o Concílio inclui na actuosa participatio também o silêncio, que permite uma participação realmente profunda, pessoal, possibilitando a escuta interior da Palavra do Senhor. Ora desse silêncio, em certos ritos, não sobrou nenhum vestígio”.
Finalmente porque sendo a liturgia um Bem de todos, temos o direito a encontrarmos a Deus nela, o direito a uma celebração harmoniosa, equilibrada e sóbria que nos revele a beleza eterna do Deus Santo, superando tentativas de reduzi-la à banalidade e à mediocridade de eventos de auditório.
+ Dom Roberto Francisco Ferrería Paz
Bispo Auxiliar de Niterói
Fonte: http://www.padredemetrio.com.br/2010/09/arquidiocese-de-niteroi-e-as-palmas-na-santa-missa/




segunda-feira, 16 de abril de 2012

MISSA DO CÔCO: MAIS UM ABUSO LITÚRGICO




A paz de Jesus e Maria estejam com todos.
É com grande pesar que divulgo à todos a Missa do Côco.
Vejam o vídeo o abaixo:




Vou fazer algumas observações a respeito dos abusos cometidos.

1ª Observação: A procissão do Lecionário não é prevista pela Instrução Geral do Missal Romano momentos antes da Liturgia da Palavra, o que já acabaria com essa profanação da Santa Missa. A procissão deve ser feita juntamente com o canto de entrada  com o Evangeliário (O livro dos santos evangelhos). Nada além disso.
No momento da proclamação do Evangelho se faz uma pequena procissão com o Ministro Celebrante com o Evangeliário até o Ambão. Só.

2ª Observação: Reparem no ritmo da música e vejam se não dá vontade de puxar um parceiro e dançar um forró. Esse ritmo nos dispersa, não tem nada de sagrado, não leva a um clima de reflexão, de oração.
Percebam a reação do povo. Eles começam a bater palmas, uns ensaiam passos enquanto as pessoas que levam os côcos bailam parecendo que estão no filme "A lagoa azul" e acabaram de subir num coqueiro pra pegar o côco pra matar a sede.



3ª Observação: Não se bate palma na Missa. A Instrução Geral do Missal Romano não prevê esse gesto. Por mais que uns falem que se a IGMR não prevê é porque pode bater palmas, lembrem-se que a Missa é a Renovação do Sacrifício de Cristo. Na Missa estamos vivendo novamente o Calvário. Você bateria palmas diante de Jesus Crucificado? Maria Santíssima e São João estavam batendo palmas diante da Cruz?
Existe um documento da CNBB que prevê palmas só em um momento: quando um Sacerdote é ordenado. Nada mais.

4ª Observação: Percebem no final que quebram os côcos, tiram o líquido, e em seguida colocam a Palavra dentro? Não existe isso. Dizem que isso é inculturação e que a Igreja permite. Imagina se todas as culturas fizerem alterações na Liturgia pra promover sua cultura? Onde ficaria Cristo?
Liturgia não se inventa, se recebe. A Igreja não pode alterar sua Doutrina para agradar à todos. Imagine que você resolve entrar para a Gaviões da Fiel e, vai junto com a torcida para um jogo e resolve cantar: "Sou alvinegro da vila belmiro". O que aconteceria com você? No mínimo iria apanhar. Aí viria com o discurso cheio de direitos: "Mas eu tenho liberdade e direito de falar o que eu quero". Você teve liberdade e direito de falar alguma coisa quando escolheu entrar para a torcida, e pra entrar sabia que precisaria obedecer as normas e ser corintiano.
A mesma coisa é na Igreja. A Igreja possui regras, se não quer obedecer se retire e procura outra denominação religiosa, é simples.
A Igreja não pode perder sua catolicidade (universalidade, unidade a mesma fé) porque alguém quer que a Igreja seja do seu jeito.

Divulguem e compartilhem para conhecimento, e que se evite esse tipo de profanação na Santa Missa.
Deus abençoe à todos.


domingo, 15 de abril de 2012

SÃO DIMAS (O BOM LADRÃO) FOI PARA O CÉU NO MESMO DIA EM QUE JESUS O PERDOOU NA CRUZ?





EU TE DIGO HOJE ESTARÁS COMIGO NO PARAÍSO
(Lc 23, 43)

Em síntese: artigo demonstra que a pontuação correta é "Digo: Hoje estarás..."; isto tanto em virtude da lógica do texto quanto pelo testemunho da tradição.

A resposta de Jesus ao BOM LADRÃO em Lc 23, 43 é classicamente entendida como sendo "Hoje estarás comigo no paraíso". Eis, porém, que, a partir do século XIX, há quem a queira entender como se segue: "Eu te digo hoje: Estarás comigo no paraíso". Examinaremos a questão depois de abordar a temática correlativa que é a da "fé sem as obras".

1. Fé sem obras?



Resumindo o ensinamento da S. Escritura a tal respeito, diremos:
Na verdade, tanto a fé como as obras são necessárias à salvação apenas de modos diversos.

A fé é dom gratuito de Deus; não vem concedida, portanto, em recompensa de boas obras praticadas pelo homem pagão, pois qualquer esforço anterior ao dom de Deus é inadequado para atingir a ordem sobrenatural à qual o Senhor quer elevar o homem e à qual pertence a fé (é claro, porém, que um não-cristão, vivendo dignamente, se vai preparando ou dispondo para receber o dom de Deus).

Uma vez abraçada, a fé leva à prática de boas obras. Estas então se tornam necessárias para que a fé não seja morta e inútil. É o que a Sagrada Escritura ensina explicitamente:

"De que serve, meus Irmãos, alguém dizer que tem fé, se não pratica as obras? Pode porventura a fé salvá-lo?" (Tg 2, 14).
"Assim como o corpo sem alma está morto, assim também a fé sem obras está morta" (Tg 2, 26).

A árvore frutífera tem que dar frutos; sem estes, nem seria árvore frutífera. De forma análoga, quem possui a fé tem que praticar boas obras, sem as quais nem possui a fé viva.

O famoso exegeta Cornélio a Lápide (+1637) ilustra bem a inseparabilidade de fé e obras mediante a seguinte comparação: um doente recém-curado de sua enfermidade pode dizer: 'Este médico me salvou'. Na verdade, porém, não foi o médico só quem o salvou da moléstia, mas o médico por meio dos remédios, da dieta, do tratamento que ele prescreveu e que o enfermo observou voluntariamente. Assim a fé se assemelha ao médico: indica, "receita" as outras virtudes, as obras, os sacramentos como meios necessários à salvação; a ninguém será lícito separar a ação da fé e a desses meios de santificação, como a ninguém é lícito separar a orientação do médico e a eficácia dos remédios, atribuindo toda a cura exclusivamente à palavra do médico. Na verdade, tanto o médico como o remédio concorreram para a cura; da mesma forma, fé e obras colaboram para a salvação eterna. - O fato de dizer o doente: "Este médico me salvou" não impede que diga também: "Ótimo remédio, esse; a ele devo a minha cura".

Estas proposições parecem bem claras. Por que então hesitam os irmãos evangélicos em aceitá-las?

A sua hesitação deve-se, em grande parte, ao receio de que a valorização das obras humanas derrogue ao sacrifício e à obra salvífica de Cristo; tal valorização poderia sugerir que o homem produz de per si, independentemente de Jesus, alguma coisa que lhe mereça a vida eterna. - Eis, porém, que também a doutrina católica repudia tal conclusão; para ela, o valor das boas obras se deve exclusivamente aos méritos de Cristo aplicados aos fiéis; é Cristo quem, após haver dado a graça da fé, dá ao cristão a graça de produzir os frutos dessa fé ou as obras boas. Tudo, portanto, se reduz por trâmites diversos, ao dom do Salvador; o homem, sem este, nada pode fazer (cf. Jo 15, 5). Esclarecido este ponto, parece que não resta mais motivo de divergência entre católicos e protestantes no tocante ao papel da fé e das obras na santificação; a Sagrada Escritura ensina peremptoriamente a necessidade daquela e destas.

Mas então que dizer do BOM LADRÃO, que se salvou sem obras boas, convertido na hora da morte?

Não se pode dizer que essa alma arrependida não tenha praticado alguma obra boa. Proclamou, sim, publicamente a inocência de Cristo e, com profunda humildade, reconheceu as suas culpas. Estas já são obras boas. Não se queira restringir o conceito de atos bons à prática da esmola e da assistência social. Na verdade, o BOM LADRÃO traduziu a sua fé em uma atitude prática, repudiando os seus pecados e colocando-se à disposição do Senhor Deus para fazer o que Este lhe mandasse. Ora isto é essencial para a salvação. Se o Senhor lhe tivesse concedido a oportunidade de viver mais tempo sobre a terra, haveria feito frutificar a sua fé em outras muitas obras. Só não o fez, porque a Providência houve por bem transferi-lo para outra vida. Donde se vê que o episódio do BOM LADRÃO não derroga ao princípio de que as boas obras são necessárias à salvação (necessárias, é claro, desde que o Senhor Deus dê a possibilidade física de as praticarmos; se não a dá, vale-nos a disposição interior).




2. "Digo-te: hoje estarás..." ou "Digo-te hoje: estarás..."?

Escreve um leitor:

'Tenho ultimamente me defrontado com uma questão referente as palavras de Jesus na Cruz.
Trabalho numa academia de ginástica (a maior de Curitiba/Paraná 2200 alunos) e tenho alunos de várias crenças. Conversando com alunos adventistas fui questionado sobre a frase EM VERDADE TE DIGO HOJE ESTARÁS COMIGO NO PARAÍSO. Me questionam afirmando sobre vírgula ou dois pontos ficaria: EM VERDADE TE DIGO HOJE: ESTARÁS COMIGO NO PARAÍSO.

Me dizem sobre a má tradução do texto sem a devida atenção a pontuação correta e referem-se ao texto grego.
'Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso". Isto indicaria que Jesus iria para o Paraíso naquele dia, lá encontraria o chamado "BOM LADRÃO" no mesmo dia! E isto não está de acordo com o contexto da Bíblia, que revela o estado da morte como um sono, e que os mortos não sabem que o próprio Cristo ao ressuscitar, não permitiu que Maria o tocasse, pois Ele ainda não tinha subido ao Pai. S. João 20, 17.

A frase correta, de acordo com todo o ensinamento bíblico, é assim: "Em verdade te digo hoje, (vírgula) estarás comigo no paraíso".

1.   A questão da pontuação do texto acima teve origem no século XIX, suscitada pelo credo dos Adventistas e das Testemunhas de Jeová. Estas denominações, professando que a alma morre no fim da vida presente, quiseram remover a objeção que contra esta sua crença se poderia levantar a partir do citado texto de Lc 23, 43. Por conseguinte, em vez da forma tradicional: "Digo-te: hoje estarás...", propuseram novo modo de ler: "Digo-te hoje: estarás...", novo modo que permitira admitir a morte da alma ao se separar do corpo e ressurreição da mesma em época posterior.

2.   Como dirimir a questão?

a) Em primeiro lugar, é preciso lembrar que nem os autógrafos nem as cópias mais antigas da Sagrada Escritura traziam sinais de pontuação; os antigos, ao escrever, por vezes nem separavam as palavras entre si.

A pontuação do texto, por conseguinte, foi (e devia ser) introduzida pelos leitores do S. Evangelho.

b) Desde que, no decorrer da história, os códigos começam a apresentar divisões de palavras e frases, colocam dois pontos entre "Em verdade digo-te" e "hoje estarás"; assim a circunstância "hoje" é relacionada com "estarás", e não com "digo-te". Durante dezoito séculos ninguém discordou desse modo de entender o texto sagrado; foi o Adventismo que no século passado (inspirando-se de critérios doutrinários preconcebidos, e não de regras exegéticas) tentou pela primeira vez modificar a pontuação.

Que dizer dessa atitude?

c) Já o fato de se tratar de inovação tão tardia torna muito suspeita a posição adventista. Será que durante 1.800 anos ninguém entendeu devidamente tal passagem do S. Evangelho?

Além dessa circunstância histórica, merece ser ponderada a lógica mesma do texto. Com efeito,

d) Não era necessário que Jesus declarasse estar falando "hoje", pois ninguém suporia que, respondendo ao BOM LADRÃO do alto da cruz, Ele estivesse falando "ontem" ou "amanhã"... Torna-se irrisório, portanto, relacionar "hoje" com "digo-te". Este advérbio só tem significado na frase se é ligado a "estarás", pois na verdade poderia o BOM LADRÃO estar com Cristo no paraíso "amanhã" ou ainda mais tarde. Precisamente a ênfase da declaração de Jesus está no "hoje"; é essa prontidão em atender ao pecador arrependido que Jesus e o Evangelista São Lucas querem realçar.

A lógica do texto, portanto, pede, sem deixar margem a hesitação, que se coloque o "hoje" do lado de "estarás" (após os dois pontos) e não do lado de "digo-te" (antes dos dois pontos).

e) Note-se também o seguinte: os inovadores afirmam que o BOM LADRÃO morreu (em corpo e alma) no dia em que Jesus lhe falou; está agora no sepulcro, devendo ser ressuscitado em breve, quando Cristo instaurar um reino de mil anos na terra. Será então submetido a nova provação, a fim de "decidir se ficará com Jesus ou não. Caso deseje ficar com Jesus, o Rei legítimo, o BOM LADRÃO obterá a vida eterna sobre a terra" ("The Kingdom is at hand", 1944, publicação das Testemunhas de Jeová).

Como se vê, segundo esta explicação, a felicidade do BOM LADRÃO ficava dependente de nova provação, que teria lugar cerca de 2.000 anos depois que Jesus lhe disse na cruz: "Estarás comigo no paraíso". Ora uma tal promessa, assim condicionada, deslocada para um futuro tão remoto, já perdia a sua nota de palavra consoladora e misericordiosa; não corresponderia ao sentido geral deste episódio, que visa a incutir a surpreendente misericórdia com que Jesus atende ao pecador contrito.
As palavras de Jesus ficariam, por conseguinte, diluídas ou mesmo destituídas de sentido.

Para confirmar a clássica interpretação, seja citada a apócrifa "Declaração de José de Arimatéia", em que se lê uma frase que só permite ligar "hoje" com "estarás". Assim, no parágrafo 4o: "Em verdade te digo, Dimas, que hoje estarás comigo. -Amen lego soi, Dima, hóti sémearon mefemou esei" (em grego).

f) Pergunta-se, porém: como pôde o BOM LADRÃO estar no paraíso ou na bem-aventurança celeste a partir do dia mesmo em que Cristo morreu? A alma de Jesus não "desceu ao limbo" antes de ressuscitar ao terceiro dia?

Jesus não prometeu a visão face a face para aquele mesmo dia, mas assegurou ao ladrão arrependido a sua união definitiva com o Redentor. Ora estar unido a Cristo é ser feliz, equivale a estar no paraíso. Como diz S. Ambrósio, "viver é estar com Cristo; por isto, onde está Cristo, aí está a vida, aí o reino" (In Lc, ed. Migne XV 1834).

3. E os textos do Eclesiastes?



1. Desejosos de provar que a alma humana morre no fim desta sua existência terrestre, os adventistas e Testemunhas de Jeová apelam freqüentemente para o seguinte texto do Antigo Testamento:

"A sorte dos filhos do homem e a sorte dos animais são idênticas.
Como um morre, assim morre o outro;
Ambos possuem o mesmo sopro;
Não há vantagem do homem sobre o animal.
Pois tudo é decepção.
Tudo vai para o mesmo lugar;
Tudo vem da poeira.
E tudo volta para a poeira.
Quem pode dizer se o sopro dos filhos dos homens se dirige para o alto
E o sopro dos animais desce às regiões subterrâneas?" (Ecl 3, 19-21)

a) Para entender esta passagem, será preciso reconstituir a mentalidade do autor sagrado (sabemos que a Palavra de Deus na Bíblia utilizou sempre o modo de pensar e falar dos homens de cada época, sem contudo ceder ao erro).
Foi somente aos poucos que o Senhor Deus revelou as verdades concernentes à sorte póstuma do homem. Os judeus apenas tinham certeza de que a alma ou o núcleo da personalidade sobrevive ao corpo; separando-se deste, julgavam que ela ia para o "cheol", lugar subterrâneo onde ficava em estado de sonolência ou inconsciência (cf. E. Bettencourt, Para entender o Antigo Testamento c. XII).

Ora o autor do Eclesiastes não quis sondar os mistérios do Além, ainda não desvendados pelo Senhor; não quis também escrever uma obra de filosofia ou metafísica; tal não era a sua índole pessoal. Por isto, no seu opúsculo limitou-se a indicar um roteiro prático, baseado no bom senso ou na experiência cotidiana, a fim de auxiliar os seus leitores a viver dignamente a vida presente. Após muitas divagações, ele formula em poucas palavras esse roteiro no fim do livro:

"Conclusão: bem ponderadas todas as coisas,
Teme Deus e observa os seus mandamentos,
Pois nisto consiste o ideal de todo homem.
Deus levará a juízo todas as obras,
Tudo que está oculto, tanto o bem como o mal" (Ecl 12, 13s)

b) É dentro de tal perspectiva que se deve entender o texto de Ecl 3, 19-21.

Como dizíamos, o autor não tinha a intenção de propor sentenças de filosofia a respeito da alma humana. Apenas queria falar na qualidade de observador que leva em conta a realidade como ela aparece imediatamente, a fim de tirar daí algumas conclusões práticas.

Ora é inegável que tanto o homem como o animal irracional morrem, sem que se possa perceber o que é feito do seu princípio vital após a morte. "Ambos possuem o mesmo sopro" diz o autor (Ecl 3,19): a palavra "sopro" aqui é tradução do vocábulo hebraico ruah, que significa o respiro das narinas ou a respiração; é certo que tanto o homem como o animal irracional respiram e que a respiração cessa após a morte. Segundo a observação popular, "não há neste particular vantagem do homem sobre o animal". É somente a filosofia (corroborada, aliás, pela teologia) que ensina ao estudioso que, apesar da identidade de aparências, a sorte póstuma do homem difere da do irracional, pois o princípio vital do homem ou a alma humana é imortal (a alma humana, sendo espírito, não se compõe de partes; por isto também não se decompõe, não morre), ao passo que o princípio vital do irracional, sendo material, é composto e morre. O autor sagrado, que, segundo dissemos, não escrevia na qualidade de filósofo, mas na de observador popular, só tinha em vista os sinais exteriores e sensíveis da vida, que, sem dúvida, cessam do mesmo modo em todos os viventes; daí as suas afirmativas, à primeira vista, desconcertantes. - Verificando essas coisas, porém, o autor não intencionava negar a sobrevivência da alma humana. Em outras passagens do Ecl, ele a professa explicitamente, asseverando, por exemplo, que a alma vai para o "cheol" (cf. 9,10) e mencionando o juízo de Deus sobre o indivíduo após a morte (cf. 8, 12; 11, 9; 12, 13).

Donde se vê que errôneo seria querer negar a imortalidade da alma na base do citado texto de Eclesiastes. O escritor a admitia, sem dúvida, apenas desconhecia as suas modalidades.

2. Outro trecho muito explorado ao lado do anterior é o seguinte:

"Para o homem, enquanto permanece agregado à sociedade dos vivos, há esperança; mais vale um cão vivo do que um leão morto. Os vivos, com efeito, sabem que hão de morrer, ao passo que os mortos nada sabem; não recebem mais salário, pois já não há recordação deles" (Ecl 9, 4s).

Após quanto foi dito atrás, esses versículos já não causam dificuldade ao intérprete. O autor, como sabemos, compartilha a opinião dos seus contemporâneos, segundo os quais a morte introduz o cerne do indivíduo (o refaim)em estado de inconsciência. Sendo assim, ele quer incutir que é na vida presente, servindo fielmente a Deus e utilizando moderadamente as ocasiões que Este lhe concede, que o homem deve procurar a felicidade. Para os vivos, qualquer que seja a sua condição (o cão simboliza o gênero de vida mais duro possível), fica sempre a esperança de conquistar certo bem-estar neste mundo, ao passo que para os mortos, mesmo para os mais nobres (simbolizados pelo leão), já não resta possibilidade de obter algum bem (pois, julga o autor, estão levando vida inconsciente).

Assim se vê que o Eclesiastes constitui uma etapa no caminho da revelação sobrenatural, etapa que deveria ser completada pelos últimos livros do Antigo Testamento (Daniel, Macabeus, Sabedoria) e pelos do Novo Testamento, onde é explicitamente professada a bem-aventurança póstuma. O autor do Eclesiastes mostra apenas não ter conhecimento desta ulterior etapa, mas nada diz que não se concilie com a doutrina dos demais escritos do Antigo e do Novo Testamento, pois em absoluto ele não nega a imortalidade da alma.

Dom Estêvão Bettencourt (OSB)

sábado, 14 de abril de 2012

A VERDADE SOBRE AS CRUZADAS


Pelo prof. Cláudio de Cicco
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1. O Primado do Papa
Na grande diversidade de nações da Europa na Idade Média havia um traço de união entre todos os reinos: a profissão da mesma fé católica. Este, segundo Régine Pernoud, foi o grande fator que fez surgir a Cristandade que se concretizava no Sacro Império Romano-Germânico.
Todas as nações da Europa pertenciam, em tese, ao Sacro Império, e o seu chefe político era escolhido dentre os príncipes cristãos, pela Dieta ou assembléia dos dignitários. O primeiro imperador foi Otão I, em 962.
Como a religião era denominador comum, ao Papa competia o magistério espiritual do Sacro Império: como chefe da Igreja, ele intervinha no Império todas as vezes em que as leis afetassem a moral cristã. Não raro também era invocado como árbitro supremo nas questões políticas; esse costume se estendeu até os tempos modernos, pois Alexandre VI resolveu a pendência entre a Espanha e Portugal pelo Tratado de Tordesilhas (1494).
Quando o Imperador alemão Henrique IV investiu sacerdotes indignos em bispados alemães, o Papa São Gregório VII o excomungou, desligando seus súditos da obediência a ele devida.
Foi então que Henrique IV dirigiu-se ao castelo de Canossa com trajes de peregrino, em noite de inverno, para pedir perdão ao Papa por seus crimes de venda dos cargos eclesiásticos (simonia).
Joseph De Maistre esclarece que “os papas não disputavam aos imperadores a investidura feudal, mas sim a investidura episcopal”, pelo báculo e pelo anel, para que os benefícios eclesiásticos não se convertessem em feudos políticos.
O ato simbólico de Henrique IV, na neve, em Canossa (1077), foi o marco da supremacia do Papa sobre os poderes temporais, na Idade Média.
2. O perigo islâmico: as Cruzadas, uma guerra defensiva
As Cruzadas são apresentadas por alguns historiadores como guerras de conquista da Europa contra os árabes. Mas não é bem verdade. As Cruzadas surgiram porque os países árabes, depois de unirem todas as tribos numa mesma nação islâmica continuaram a luta pelo poder total de Alá e seu Profeta, marchando em direção aos Balcãs e à península ibérica. Desde o século VII que os adeptos da doutrina muçulmana, ou Islamismo, liderados por Maomé — que intitulava a si próprio “Profeta de Alah” —, iniciaram a Guerra Santa, conquistando a Arábia, a Palestina, ocupando os Lugares Santos de Belém, Nazaré e Jerusalém, depois o Egito e daí passando à Espanha, onde foram chamados “mouros”.
Daí surge o antagonismo. Eles ameaçaram Constantinopla, e acabaram por tomá-la no fim da Idade Média. Ameaçaram a Espanha, onde queriam entrar e por séculos o vinham tentando. Dominaram o norte da África, e começaram a proibir o acesso aos lugares santos. Assim, a Europa estava praticamente cercada pelos turcos. E foi isso que motivou as Cruzadas.
Eram consideradas como uma guerra defensiva, portanto justa; consequentemente, os cavaleiros partiam com a consciência tranquila, pois não se tratava de uma guerra de conquista.
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Batalha de Ascalon, no caminho para libertar Jerusalém
3. As perseguições aos romeiros
Em 1070 os turcos haviam tomado Jerusalém aos árabes e começaram então as perseguições e profanações que os peregrinos narravam com cores vivas no Ocidente. Nessa época, um piedoso peregrino chamado Pedro d’Amiens, ao retornar da Terra Santa, foi ter com o Papa Urbano II a fim de descrever-lhe os vexames dos cristãos na Palestina e profanação dos lugares santos pelos infiéis.
J. F. Michaud nos diz que Urbano II fora informado de um ataque iminente a Constantinopla. Decidiu, pois, passar ao ataque do campo inimigo. Por este motivo, o Papa convocou o concílio de Clermont (1095), ao qual compareceram muitos príncipes do Ocidente. Lá compareceu também Pedro d’Amiens e expôs com tal emoção a triste situação do país de Cristo que todos os circunstantes, em lágrimas, romperam num grito uníssono de fé e coragem: “Deus o quer! Deus o quer! “.
Ocorre que antes da definição e concretização das metas, Pedro, o Eremita e um cavaleiro apelidado Gauthier Sans-Avoir (Gualter Sem Tostão, o que nos dá uma ideia de sua falta de recursos ) ,anteciparam-se aos planos do Papa Urbano II e partiram para o Oriente com uma massa de 17.000 pessoas ignorantes, pobremente equipadas e sem nenhuma experiência militar. Foi um movimento paralelo e independente que partiu em direção à Niceia sem o prévio consentimento do Papa, chamado “cruzada do povo”. Após uma travessia caracterizada por desordens, violências e epidemias, foram completamente trucidados pelos turcos quando atacaram aquela cidade. Por isto, não se considera este movimento como a primeira cruzada, que teve seu início em 1096, portanto, no ano seguinte. (seu nome foi tirado do símbolo da Cruz Vermelha, que lembra o preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor , lá derramado, em campo branco, representando seu Puríssimo Corpo, por nós crucificado.)
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Godofredo de Bouillon ou Bulhões
4. O absurdo da “razão única de ordem econômica”
É preciso frisar isto, porque aqui não são os filmes nem os romances que estão dando uma ideia distorcida da Cavalaria, mas os próprios historiadores que dizem que os cavaleiros iam para o Oriente em busca de riquezas, fortuna, glória. Glória acreditamos que sim, mesmo porque estava dentro do espírito deles. Mas… riqueza e fortuna, como e onde? Será que iriam deixar a França e a Inglaterra, onde tinham castelos, terras, mulheres e filhos, e criadagem à sua disposição, para navegar naqueles barquinhos, que mais pareciam casca de noz, e atravessar o que eles chamavam de “Mar Tenebroso”? (Acreditavam que o mar acabasse a certa altura… de repente; logo surgiam a cachoeira e o naufrágio…) E nem sequer sabiam o que vinha depois da África! Aventurando-se completamente naqueles pequenos barcos para chegar a um deserto terrível, com um calor a que não estavam acostumados, e encontrar um povo de língua estranha — para conquistar o quê? O que eles iriam ganhar do ponto de vista econômico ao deixar os seus bens na Europa?
Se não entendermos os objetivos da Cavalaria medieval, não conseguiremos entender as Cruzadas; porque, do ponto de vista econômico, era um malogro total. Não eram apenas cavaleiros de classes humildes que iam para a Terra Santa. Reis e príncipes abandonavam seus tronos e iam também, como foi o caso de Ricardo Coração de Leão, Felipe de França e tantos outros. Assim, não é possível explicar essa guerra apenas sob o prisma econômico. E isso se coloca tão-só como observação, pois sabemos que, de tempos em tempos, surge um ou outro historiador querendo defender a tese de que “a grande razão de ser das Cruzadas era a conquista de bens materiais”; quando, pelo contrário, parece-nos que até estavam perdendo esses bens.
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Ilustração da Batalha de Ascalon, no caminho para Jerusalém
5. A motivação principal: a Fé
Como reflete o Professor Roberto De Mattei:
“Na catedral, os cristãos se reuniam em torno do padre que celebrava a missa em um altar olhando para o Oriente e renovava, sem derramamento de sangue, o máximo mistério do cristianismo: a Encarnação, Paixão e morte de Jesus Cristo. Nas Cruzadas, as mesmas pessoas pegavam em armas para libertar a Cidade Santa de Jerusalém que caíra nas mãos dos maometanos. O túmulo vazio do Santo Sepulcro, junto com o Santo Sudário, são testemunhos vivos da Ressurreição e as mais preciosas relíquias da Cristandade. A primeira Cruzada foi pregada em decorrência da meditação das palavras de Cristo: ‘Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me’ (Mt 16, 21-27). Aquela mesma Cruz, em torno da qual se reuniam as pessoas nas catedrais, foi estampada nas vestes dos cruzados e exprimia o ato pelo qual o cristão se mostrava disposto a oferecer sua vida pelo bem sobrenatural do próximo brandindo suas armas. O espírito das Cruzadas era, e continua a ser, o espírito do cristianismo: o amor ao mistério incompreensível da Cruz.” (Apologia da Cruzada )
E conclui o mesmo professor italiano : “Expurgar a idéia de Cruzada da ‘plataforma programática’ pessoal significa banir a própria ideia do combate cristão.”
O ensinamento de que a vida espiritual é uma luta está especialmente desenvolvido nas cartas de São Paulo. Em muitos lugares delas encontram-se metáforas e imagens tiradas da vida do guerreiro. O Apóstolo explica como a vida cristã é um bonum certamen (bom combate) que deve ser batalhado “pelo bom soldado de Jesus Cristo” (II Tm. 2, 3). “Revesti-vos da armadura de Deus ‒ diz ele ‒, para que possais resistir às ciladas do demônio. Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal espalhadas nos ares. Tomai, por tanto, a armadura de Deus, para que possais resistir nos dias maus e manter-vos inabaláveis no cumprimento do vosso dever” (Ef 6, 11ss).
E ainda: “Ficai alerta, à cintura cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça, e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da paz. Sobretudo, embraçai o escudo da fé, com que possais apagar todos os dardos inflamados do Maligno. Tomai, enfim, o capacete da salvação e a espada do Espírito, isto é, a palavra de Deus.” (Efésios 6, 14-17).
O espírito da Cruzada e do martírio têm uma origem comum na dimensão profunda da guerra espiritual. O martírio, como o sofrimento, pressupõe o combate.
A própria vida de Jesus Cristo pode ser considerada como uma batalha constante contra o conjunto das forças hostis ao reino de Deus: o pecado, o mundo e o diabo.
Que a vida do cristão seja uma luta é um dos conceitos que com maior frequência ressoa no Novo Testamento, onde lemos: “Suporta comigo os trabalhos, como bom soldado de Jesus Cristo. Nenhum soldado pode implicar-se em negócios da vida civil, se quer agradar ao que o alistou. Nenhum atleta será coroado, se não tiver lutado segundo as regras.” (II Tm. 2, 5). O Evangelho, aliás, em seu genuíno sentido original, é a proclamação de uma vitória militar, neste caso a vitória de Cristo sobre o mal e os poderes das trevas.”
Cfr. Prof. Roberto de Mattei, “Il Foglio”, 08/06/2010, apud Corrispondenza Romana, 08/06/ 2010).
6. A Primeira Cruzada
Da primeira Cruzada, realmente organizada participaram Godofredo de Bouillon, Duque de Lorena, Raimundo Saint-Gilles, Conde de Tolosa, Balduíno de Flandres, os normandos Boemundo de Tarento e Tancredo de Siracusa, além do irmão do rei Felipe I da França, o conde Hugo de Vermandois. Como legado do Papa, partiu Ademar de Monteil, Bispo de Puy.
Após vários combates, em que a cavalaria cristã despertou a admiração dos adversários, os cruzados entraram em Jerusalém em 16 de junho de 1099. Godofredo de Bouillon recusou o título de rei, dizendo “que não queria ser coroado com ouro onde Cristo tinha sido coroado com espinhos”. Foi nomeado Guarda do Santo Sepulcro. Ouçamos as palavras dele mesmo, pedindo ajuda :
“Conclamamos a todos os senhores da Igreja Católica de Cristo e de toda a Igreja latina a exultaram com a admirável bravura e devoção de vossos irmãos.
Com a gloriosa e tão desejável recompensa de Deus onipotente, e com a muito e devotamente esperada remissão de nossos pecados pela graça de Deus.
E rogamos que Ele faça com que todos vós –bispos, clero e monges de vida devota, e todo o laicato – se sentem à mão direita de Deus, que vive e reina por todos os séculos dos séculos. E vos pedimos e rogamos em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que permanece sempre conosco e nos livra de todas as tribulações, que cuidem bem de nossos irmãos que a vós retornam, fazendo-lhes gentilezas e pagando suas dívidas, para que Deus os recompense e absolva de todos os vossos pecados e vos conceda uma participação nas bênçãos que nós e eles temos merecido diante do Senhor. Amém. Laodicéia, Setembro de 1099”
Com capital em Jerusalém, expandiu-se por outras cidades : Edessa, Antioquia, Trípoli, Tiberíades a conquista dos cruzados na Palestina, governando-as como feudos de Jerusalém, originando o Reino Latino-Cristão do Oriente. Estava garantida a posse da terra Santa e livre a rota para todos os peregrinos.